Escritor Milton Hatoum comenta obras e passagem pela Universidade

24/03/2015 00h00 ⋅ Atualizada em 29/10/2019 23h44

 

Um dos escritores mais reconhecidos atualmente no Brasil, autor de dezenas de obras, entre elas quatro romances, contos e crônicas, e vencedor de diversos prêmios, entre eles o Jabuti, Milton Hatoum tem em sua trajetória uma passagem pela Universidade de Taubaté. Essa história começou em meados de 1977, quando soube, por meio de um amigo, que a UNITAU estava contratando professores. Na ocasião, o autor realizava uma viagem pelo sertão da Bahia, com o intuito de conhecer o cenário da Guerra de Canudos.

Nascido em Manaus, capital do Amazonas, e formado em Arquitetura pela Universidade de São Paulo (USP), o escritor, que à época ainda não era conhecido por seus livros, se candidatou a uma das vagas oferecidas pela Universidade e foi aprovado, em 1978, para ministrar a disciplina de História da Arquitetura.

Hatoum relembra que foi sua primeira atuação como professor, atividade que continuou desenvolvendo pela vida. Até o ingresso na UNITAU, ele trabalhava como freelancer em jornais e revistas, entre elas a Istoé. “Era uma disciplina pela qual eu me interessava, foi uma experiência muito boa”, conta ele, que também disse ter tido dificuldades durante a graduação com disciplinas como, por exemplo, Cálculo e Estruturas.

O escritor permaneceu na Universidade por um ano e meio. No documento em que pede o afastamento das aulas, datado de junho de 1979, ele justifica sua saída relatando ter recebido uma bolsa de estudos na área de Arte e Estética, a ser cursada em Portugal com duração de dois anos. 

No mesmo documento, o então professor relata seu interesse em voltar a ministrar aulas após o período de estudos. Contudo, no retorno ao Brasil, Hatoum optou por seguir sua carreira entre São Paulo e a cidade natal.

Ele afirma que, após essa época, não visitou mais Taubaté. “Durante viagens literárias apenas passei, indo para outras cidades do Vale do Paraíba, mas não pude parar”, disse. 

OBSTÁCULOS - O autor comentou as dificuldades que envolvem a literatura e os escritores no Brasil. Hatoum diz que só pode viver de suas obras após o lançamento de Dois Irmãos, uma de suas obras mais conhecidas, ao lado de Relato de um certo Oriente. “Por sorte, ele caiu na graça dos professores e começou a ser muito adotado como leitura obrigatória em vestibulares”, avaliou.

O escritor também criticou os altos preços dos livros no país, o que seria responsável por dificultar o acesso às obras, especialmente para os jovens. “Eu já fui estudante, sei como é.”

Sobre os prêmios recebidos, ele diz que se sente muito agradecido pelo reconhecimento, mas que eles não são garantia de leitura das obras. Foram premiadas com o Jabuti (além de outras premiações) os quatro romances do autor: Relato de um certo Oriente (em 1989, como melhor romance – foi o primeiro lançado por ele), Cinzas do Norte (em 2005, também como melhor romance), Dois irmãos (em 2000, em 3º lugar na categoria romance) e Órfãos do Eldorado (em 2008, em 2º lugar na categoria romance).

Dois Irmãos é adaptado para uma minissérie da TV Globo, com exibição prevista para maio. Já Órfãos do Eldorado inspirou um filme homônimo.

ESTUDANTES – Hatoum também comentou o desinteresse de parte das pessoas, em especial os jovens, pela leitura. Ele acredita que é necessário escolher obras adequadas para serem lidas. “Pode ser um livro não muito áspero, pois o jovem muitas vezes não aguenta e acredita que todos serão assim. Os contos de Machado de Assis, por exemplo, não são leitura que se abandona”, recomenda.

O escritor também indica que os jovens partam para a leitura dos clássicos da literatura mundial e nacional, entre eles Tolstói e Guimarães Rosa.

INSPIRAÇÃO – As obras de Hatoum são permeadas por informações da cultura árabe – sua ascendência – e da chegada dos imigrantes ao Brasil, em especial ao Amazonas, seu estado de origem.

Ele avalia que a presença dos elementos é natural, o que não significa que os livros sejam autobiografias. Para o autor, a formação como escritor depende dos conhecimentos que adquire e das leituras que faz. “Se escreve a partir de experiência de vida e de leitor, não existe espontaneidade.”

Hatoum conta que seu primeiro livro não foi um livro, na verdade. “Eram as histórias das viagens do meu avô, que era um ótimo contador de histórias”, revela.

Para os interessados em escrever, ele recomenda muita leitura e trabalho. “A gente faz o dom, faz a vocação.”

“O romance é um gênero que pede muita paciência do escritor, é uma luta a cada página. Até para o amor é necessário ter paciência, afinal”, continua.

O autor afirma que já parou de escrever por não se sentir preparado, que retomou escritos após décadas e que não relê suas obras, fugindo de suas autocríticas.

INTERNET – Hatoum acredita que os livros digitais são uma tendência, assim como a ampliação do uso das ferramentas digitais. “Não sou contra, é uma possibilidade de leitura, embora eu seja um analfabeto digital”, conta.

O escritor conta que escreve seus textos à mão. “É demorado, mas eu só consigo assim”, disse. Ele também revela que se surpreendeu ao descobrir que possui mais de 3.000 seguidores no Facebook – a página, é claro, não é do escritor.

ACOM/UNITAU